Homenageado pelo carnaval de Olinda, Maestro Carlos foi do fascínio pelo Homem da Meia-Noite à consagração como símbolo da folia
Conheça a trajetória do jovem apaixonado por música que se tornou o maestro de blocos consagrados e um dos grandes nomes do carnaval olindense

Numa sexta-feira de pré-carnaval, lá pelos anos 1970, o jovem Carlos Rodrigues da Silva ouvia marchinhas carnavalescas na frente de casa, perto da Bica do Rosário, em Olinda, quando viu uma coisa que capturou sua atenção: na Estrada do Bonsucesso, algo como um boneco gigante, todo coberto por panos, estava sendo transferido entre duas casas.
O adolescente ficou intrigado, querendo saber o que os panos escondiam. Depois, os colegas lhe contaram: ele tinha visto o Calunga, como é chamado o Homem da Meia-Noite, que estava sendo guardado, sob suspense, para ser revelado na semana seguinte.
“Eu quero ver!”, disse determinado o futuro maestro de muitos carnavais.
Carlos aguardou ansioso para conhecer a figura misteriosa, que era praticamente seu vizinho. Até que, enfim, uma semana depois, na passagem do sábado para o domingo, à meia-noite, o Calunga saiu às ruas, enquanto Carlos… dormia.
“No dia que ele foi sair, eu peguei no sono, porque eu era jovem demais”, recorda o maestro, que tinha por volta de 17 anos à época. Mas a história não acabou ali. “Fiquei com aquele fascínio, de um dia ver o Homem da Meia-Noite”.
E Maestro Carlos viu. A partir dali, o caminho dos dois se misturou cada vez mais. Anos depois, Carlos se tornou o maestro da orquestra oficial do tradicional Bloco do Homem da Meia-Noite, da qual ainda é regente neste 2025, ano em que o Calunga completa 93 anos e em que o maestro foi escolhido, por voto popular, para ser o homenageado do carnaval de Olinda.
Ele representa o meu reconhecimento do Carnaval de Olinda. Porque quem não conhece o Homem da Meia-Noite, não conhece o Maestro Carlos. Quem não conhece o Maestro Carlos, não conhece o Homem da Meia-Noite
A homenagem
Quando soube que foi escolhido para ser homenageado no carnaval de Olinda, Maestro Carlos caiu em prantos. Foram ao todo 14.890 votos, representando 32,62% das escolhas para a homenagem na categoria “em vida”.
“Era um sonho que eu tinha desde as antigas. Desde adolescente, eu vim batalhando, montando músicos, formando músicos, montando orquestra. Aí quando o secretário da Cultura disse para mim, eu caí prantos”, diz o músico emocionado.
Maestro Carlos fala sobre a homenagem e a relação com o Homem da Meia-Noite:
Enquanto concedia esta entrevista, na frente da sede do Homem da Meia-Noite, os incontáveis acenos de pedestres e condutores que passavam pela Estrada do Bonsucesso tornavam claro o reconhecimento do regente de frevo.
“Maestro Carlos!”, “Bom dia, maestro!”, “Opa, maestro!” Eram muitas as saudações. Alguns, mais insistentes, não sossegavam enquanto não trocavam uma palavrinha com o músico.
“O pessoal me encontra e fica dizendo: ‘Votei em você! Parabéns!’ Aí eu digo: ‘eu que tenho que agradecer a vocês, porque vocês que me colocaram como homenageado’”, conta o maestro.
O público também escolheu homenagear, na categoria "in memoriam", a fundadora do bloco Soul Delas, Roberta Pessoa, falecida em fevereiro de 2022. Além disso, o ex-secretário da Cultura Gilberto Sobral e o líder espiritual Tatá Raminho de Oxóssi, ambos falecidos em 2024, recebem o inédito Título História Viva, este sem votação do público.
Do aluno ao maestro dos blocos
Enaltecido em Olinda, Carlos Rodrigues nasceu no Recife, em 1965, mas sua família se mudou para a cidade-irmã já em 1966, onde morou na Rua do Sol, no Carmo, durante a infância. Depois, estabeleceu-se no Bonsucesso, próximo à Bica do Rosário, onde começa esta história.
Hoje maestro aclamado, seu primeiro contato com a música ocorreu quando ainda era menino, nas bandas marciais da escola. Depois, ingressou no curso de música da entidade filantrópica Fundação Casa das Crianças, em Olinda, onde aprofundou os estudos. “Era doido por música”, recorda ele.
Tempos depois, na mesma instituição, Carlos começou a dar aulas de música para crianças. Por seu trabalho, o então professor passou a chamar a atenção dos blocos carnavalescos da cidade.
Foi quando começou a animar o bloco Bacalhau do Batata. Depois, devido à interdição do local onde dava aulas, foi convidado para fazer seus ensaios na sede do Homem da Meia-Noite e para tocar no bloco. A partir dali, ele foi se estabelecendo no local e firmando sua imagem à do Calunga.
“Foram vários presidentes e a gente ficava. Vários diretores saindo e a gente ficava”, diz o músico. Depois de mais de 30 anos, Maestro Carlos segue animando os desfiles do Homem da Meia-Noite.
O regente também passou por outros blocos clássicos do carnaval de Olinda, como o Pitombeira dos Quatro Cantos, Cariri Olindense e Vassourinhas. Hoje, a Orquestra da Armação Musical do Maestro Carlos conta com 50 músicos, que agitam diversos blocos e troças do carnaval pernambucano.


A vibração dos foliões
Embora tenha se consagrado ao longo dos carnavais, o maestro revela que não gosta de estar ‘dentro da folia’. “Se eu não tocasse, ficaria só passando pelas ruas e admirando”, diz. É que a paixão de Carlos é o frevo. “Eu só tô no meio da folia porque realmente eu toco”, confessa.
Saudoso, ele recorda os carnavais da juventude, que achava mais tranquilos. “Sinto falta da tranquilidade que é tocar sem precisar de ter segurança. Hoje em dia tem que ter, se não a gente não consegue tocar”, diz.
Apesar disso, o maestro conta que adora ver a empolgação dos foliões com as músicas, mesmo no empurra-empurra das ladeiras de Olinda. “Eu adoro. Eu acho que é o que me faz tocar.”
Para dar conta da missão, o preparo da orquestra de Maestro Carlos se inicia cedo, ainda em agosto, quando já começam a ocorrer as primeiras prévias carnavalescas e a procura por orquestras aumenta.
É nesse período que ele aproveita para fazer uma renda extra para complementar com o trabalho de professor de música.
O frevo vai continuar por séculos e séculos e séculos
O frevo persiste
Durante a pandemia de Covid-19, no entanto, o carnaval foi suspenso por dois anos, e o trabalho do maestro, que chegou a desenvolver a doença, ficou comprometido.
“Passei o carnaval financeiramente com problemas. Foram os piores anos para quem vive de música”, relembra. Ele afirma que não recebeu apoio do poder público durante a crise e que conseguiu se manter graças à solidariedade das troças carnavalescas, que ajudavam os músicos com doações de dinheiro e cestas básicas.
Apesar do tempo difícil na pandemia, Maestro Carlos vê positivamente o cenário atual das orquestras de frevo e é otimista com o futuro. “Está melhorando. Antigamente tinham poucas orquestras”, afirma.
Mas, segundo ele, hoje é diferente. “Cada vez mais tem mais orquestra na rua”, diz. O músico observa que mais jovens estão interessados em aprender a tocar, o que ajuda a manter a cultura carnavalesca viva e a “não deixar o frevo morrer”.
“O frevo vai continuar por séculos e séculos e séculos”, aposta o maestro.
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