Um casarão em ferro fundido, projetado na Bélgica, com elementos estruturais norte-americanos, encravado no calor úmido da Mata Atlântica.
Cercada por um jardim de Roberto Burle Marx, a Casa de Ferro, sede do Grupo Cornélio Brennand na Várzea, Zona Oeste do Recife, é um exemplo raro de arquitetura de ferro em Pernambuco e no Brasil, refletindo os impactos da industrialização nos trópicos.
O empresário Cornélio Brennand, falecido nesta quarta-feira (5), aos 96 anos, deixa entre seus legados novas utilizações deste singular imóvel. Em 2011, ele fundou a Iron House, braço imobiliário do grupo, e adotou a silhueta da casa como logotipo da empresa.
A presença dos Brennand na região remonta a diferentes empreendimentos culturais e industriais. Seu irmão Francisco Brennand instalou a célebre Oficina Cerâmica, reaproveitando as estruturas de uma antiga fábrica da família.
Já seu primo Ricardo Brennand fundou, do outro lado do Rio Capibaribe, o Instituto Ricardo Brennand, museu que abriga um dos acervos mais raros do país e já foi eleito o melhor da América do Sul pelo TripAdvisor.
História da Casa de Ferro
A construção da Casa de Ferro precede a chegada da família nesta região. O imóvel foi erguido no final do século 19 por Francisco do Rêgo Barros de Lacerda, na época dono dos engenhos São João e Santos Cosme e Damião, na atual região da Várzea.
Nessa época, muitas mansões foram erguidas pelas margens do Capibaribe, sob influência da chegada de ingleses que procuravam locais agradáveis para estabelecer moradias - lugares mais frescos e arborizados do que o centro do Recife.
A estrutura de ferro que define o imóvel tem um percurso transatlântico curioso. Em 1892, durante uma viagem à Louisiana, nos EUA, para aquisição de maquinário para sua usina de açúcar, Lacerda encontrou a estrutura metálica da casa e decidiu trazê-la para o Recife. No mesmo navio, embarcaram também equipamentos industriais e uma ponte de ferro de 160 metros.
De acordo com Maria Eduarda Brennand Campos, membro do Conselho do Grupo Cornélio Brennand, os itens foram comprados na Baton Rouge, maior produtora de máquinas de usinas de açúcar na época e grande centro açucareiro da América do Norte.
Influência belga
Apesar de ter sido comprada na América, apresentando um típico estilo das "Plantation Houses" do Sul dos Estados Unidos, a estrutura de ferro do imóvel foi projetada na Bélgica pela Compagnie Central de Construction de Haine-Saint-Pierre, uma das principais fornecedoras europeias de arquitetura industrial no século XIX.
A casa, inclusive, é citada no artigo "Arquitetura industrial belga no Brasil no século XIX", de Bernard Pirson, no livro "Brasil & Bélgica - Cinco Séculos de Conexões e Interações", organizado por Eddy Stols, Luciana Pelaes Mascaro e Clodoaldo Bueno.
O livro destaca o imponente pórtico, colunas e elementos estruturais da casa. Este pórtico, que marca a entrada principal, é composto de várias peças em ferro fundido (colunas, arquitraves, cornijas) e revestido com chapas de ferro.
Em uma das colunas de ferro fundido do pórtico de entrada é possível ler a inscrição: "Société anonyme / Cie Centrale de Construction / Haine St Pierre Belgique / Administrateur Directeur Leon Hiard".
Em tempo, uma curiosidade: em 1930, quando os Brennand já moravam por lá, a mansão recebeu visita da tripulação do dirigível alemão Graaf Zeppelin, que fez sua primeira viagem à América do Sul. Eles foram levados pelo então chefe de gabinete do governador de Pernambuco, Estácio Coimbra, Gilberto Freyre. Essa memória de Ricardo Brennand foi registrada por Leonardo Dantas Silva.
Ao incorporar o imóvel à marca do Grupo Cornélio Brennand, o empresário reafirmou o valor da preservação como estratégia de identidade e negócios, deixando o imóvel na memória arquitetônica e cultural do Recife.