O recifense Caio Braz se preparou por três anos para realizar uma cobertura independente - sem ligação com um veículo de mídia - das Olímpiadas de Paris 2024. Tendo o Instagram como principal canal, o comunicador publicou 43 vídeos que usaram do esporte para costurar uma linha narrativa que agrega história, geopolítica, moda, saúde mental, imigração, colonialismo e mais.
Dentro desse leque de pautas, foi Braz quem chamou atenção para uma das pautas que ganhou as redes e a mídia tradicional durante o evento: a estética dos uniformes da delegação brasileira. Ao JC, ele conta como foi a experiência e quais os principais desafios de capturar a atenção com boas conversas em tempos barulhentos na internet.
Entrevista - Caio Braz
Quais os desafios de fazer uma cobertura independente internacional, especialmente para as Olímpiadas?
O grande desafio em relação a cobrir as Olimpíadas, além de claro, toda a questão logística como passagens, hospedagens, ingressos, credenciais, acessos, que envolve um custo bem alto e uma costura muito bem feita com patrocinadores e até mesmo seguidores e fãs, é a questão da relevância. Como ser escutado e reverberado em meio a tanta informação? Essa é a grande questão de qualquer cobertura jornalística hoje em dia. Como furar o algoritmo, como falar além da sua própria bolha, como iluminar questões que sejam de interesse público, como levar informações a pessoas que nem sabiam que precisavam saber daquilo.
Eu me preparei por três anos para estar em Paris 2024. Estudei francês no Brasil. Passei três meses em Paris no ano anterior criando conteúdo e aquecendo a audiência mas também enriquecendo o meu próprio repertório e desenvolvendo uma intimidade com a cidade, com a cultura, com as tensões do lugar. Quando chegaram os Jogos, eu já sabia o que gostaria de de dizer. Não queria falar dos cinco melhores croissants da cidade.
Alguns vídeos falavam sobre temas menos esperados numa cobertura de Olímpiadas, como moda, história ou geopolítica. Como foi a sua dinâmica em relação a essas escolhas?
Acho que o primeiro passo é a gente entender que no mundo do excesso de informação, aquela que se destaca é: ou a que gera puro entretenimento, risada, galhofa, alivio; ou a que gera aprendizado, reflexão, um pouco de tensão, que tem arco narrativo. Eu tentei unir as minhas disciplinas preferidas, desde criança, como história e geografia, junto a temas atuais como saúde mental, imigração, colonialismo, e usar o esporte como linha narrativa dessa costura.
Acredito que o grande pulo desta cobertura foi levar à audiência algo em um nível que as pessoas merecem, mas deixaram de acreditar um pouco na internet como lugar de informação relevante. Eu gostaria de restaurar isso porque eu acredito muito nas redes sociais como território de transformação, de boas conversas, de aprendizagem.
Alguns dos seus vídeos pautaram a imprensa, como o caso dos uniformes. Como sentiu essa repercussão?
O vídeo dos uniformes foi um desabafo de uma pessoa que sim, é da moda, pois foi onde minha carreira 'midiática' começou, onde fui repórter e apresentador por anos do GNT. Acredite, eu já vi muita coisa acontecer nos meus 15 anos de moda brasileira. E o que eu vejo hoje é uma nova relação dos fazedores de moda com o nosso próprio país, uma busca por uma identidade mais justa, fidedigna à nossa potência, relevante, transformadora. Queremos uma moda maior e esse lugar passa, inclusive, pela identidade nordestina.
Por mais que aqueles uniformes tivessem a parte artesanal feita pelas bordadeiras de Timbaúba dos Batistas, no Rio Grande do Norte, cidade da craque Virna, do vôlei, faltou design. O design não era contemporâneo e parecia mesmo uma estética um pouco religiosa. E sabemos que no Brasil a questão que envolve os neopentecostais vai muito além de um look. A revolta não foi minha, foi generalizada, há muitos brasileiros e brasileiros que não concordam com o conservadorismo que isso representa. Virou debate nacional.
Em relação à cidade de Paris, você já a conhecia? Como sentiu que as Olímpiadas mudaram o "clima" da cidade?
4. Eu conheço bem Paris desde os tempos em que trabalhava no GNT Fashion, já tinha passado algumas temporadas por lá a trabalho, e no ano passado fiquei por três meses me aproximando ainda mais da cultura. O mês de Agosto, tradicionalmente, para os parisienses, é um pouco como o início do ano para nós, do Recife. Escolas fechadas, muitas pessoas veraneando fora da cidade. A diferença é que eles tiram mesmo férias coletivas e fecham restaurantes, pequenos comércios, colocam uma placa na porta de entrada e falam: estamos de férias, voltamos em Setembro.
A cidade, portanto, estava muito vazia, de maneira já natural –mas também acho que os parisienses amplificaram um pouco a saída, e muitos não quiseram participar da festa. Você pode dar mil desculpas: que o metrô dobrou de preço, que os ingressos são caros, mas isso, pra mim, não é o suficiente para expulsar uma pessoa da sua própria cidade. Esse tipo de reticência parisiense, às vezes esbarra em um mau humor, é um traço cultural deles. A hospitalidade não é o forte de Paris.
Imagina se tem umas Olimpíadas em Recife? Eu seria o primeiro a chegar e o último a sair, não ia querer perder uma festa, um jogo, uma cerimônia, um jantar. Casa cheia, programações mil. Enfim, nós, brasileiros, latinos, somos diferentes né?
Teve algo em especial que chamou a sua atenção durante o período das Olímpiadas em Paris?
Acho que houve uma grande decepção que foi a questão do Rio Sena. Bilhões de euros foram investidos para limpar o Rio, e no dia das competições ele ainda estava impróprio para banho. Isso diz muito sobre como lidamos com o planeta nos últimos 100 anos e o tamanho do buraco que nos metemos. É simples assim: se não conseguiram limpar um rio na Europa com toda a dinheirama do mundo disponível, o que podemos pensar dos nossos rios no Brasil? Foi muito decepcionante pra mim o desfecho dessa história, um pouco niilista até.
Outra questão importante para mim é a presença das pessoas trans nos esportes e como este debate vai evoluir. Precisamos de mais pesquisas, de mais material científico, mas também de mais sensibilidade, empatia, humanidade para lidar com essa realidade. As pessoas trans e não binárias existem, elas estão cada vez mais presentes no dia-a-dia de todas as pessoas. Elas merecem viver com dignidade. E o esporte precisa se preparar para incluir estas pessoas. Esporte é inclusão, transformação social, política pública, cidadania.
Você irá cobrir as Paraolímpiadas, onde o Brasil é uma potência. Como tem se preparado? E qual a importância de destacar também esse evento?
O Brasil é uma potência paralímpica justamente porque existe política pública e incentivo, inclusive financeiro. Infelizmente, nós estamos acostumados no nosso país a querer ganhar tudo no talento, no carisma. Funciona só um em um milhão. Uma Rebeca Andrade. Uma Rayssa Leal. Um Hebert Souza.
O Brasil compreendeu cedo que uma das melhores maneiras de incluir pessoas com deficiência na sociedade é através do esporte. Temos centros de treinamento, corpo técnico, patrocínios. O Paralímpico brasileiro é estruturado, referência. Acho que essa é uma das principais mensagens que o movimento pode estimular: organização, planejamento, respeito. Quero reverberar essa mensagem: como o planejamento e o cuidado com o esporte são também ferramentas democráticas. Quanto menos improviso, mais relevância.