MPPE pede à Justiça que policiais do Bope sejam levados a júri popular por 2 mortes no Recife
Em documento de 132 páginas, grupo de promotores apresenta provas, rebate depoimentos e recomenda que réus permaneçam presos preventivamente

O Ministério Público de Pernambuco (MPPE) pediu à Justiça que seis policiais militares do Batalhão de Operações Especiais (Bope) sejam levados a júri popular pelas mortes de dois homens na comunidade do Detran, no bairro da Iputinga, Zona Oeste do Recife. A defesa dos réus, presos preventivamente, ainda vai apresentar as alegações finais.
A coluna Segurança teve acesso com exclusividade ao documento de 132 páginas assinado por um grupo formado por cinco promotores do MPPE, na última semana. O conteúdo rebate a versão dos réus e da investigação da Polícia Civil que aponta para uma ação de legítima defesa. Além disso, recomenda à Justiça que os PMs sejam mantidos presos.
O documento destaca que, na noite de 20 de novembro de 2023, os policiais deveriam ter se dirigido para a sede do 11º Batalhão, no bairro de Apipucos, mas mudaram de rota, em três viaturas após receberem uma denúncia de que suspeitos de tráfico de drogas estariam na comunidade do Detran.
Uma câmera de segurança flagrou o momento em que os PMs invadiram a residência e, pouco depois, mulheres e crianças deixaram o imóvel. Depois disso, os tiros foram disparados contra Bruno Henrique Vicente da Silva, de 28 anos, e Rhaldney Fernandes da Silva Caluete, 32.
Em depoimentos, os PMs alegaram que a dupla estaria armada e que teria reagido à abordagem. Já testemunhas contaram que as vítimas não reagiram e que estavam ajoelhadas no momento em que foram atingidas pelos tiros.
Os dois homens foram levados, enrolados em lençóis, para uma viatura, que seguiu para a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) da Caxangá. Um laudo assinado pela médica plantonista apontou que eles já chegaram mortos.
Para o MPPE, os policiais tinham conhecimento do óbito, mas decidiram "forjar" socorro às vítimas, além de alterar o cenário e dificultar o trabalho dos investigadores.
"Chocante observar as vítimas sendo retiradas em um lençol. A primeira por dois policiais, deixada na mala da viatura que aparece na via, em frente à residência, entre outras duas viaturas. O lençol é arrastado debaixo do corpo e há um intervalo de tempo, sem qualquer necessidade de vigília", descreveu o MPPE.
"Depois surgem três policiais transportando a segunda vítima, no mesmo lençol, sendo seus corpos empilhados e mantidos no mesmo espaço da mala, e depois a gaiola e a tampa são fechadas e as imagens são de policiais circulando, sem pressa e sem que o alegado socorro seja efetivamente prestado", completou.
DEPOIMENTOS DOS MILITARES
Os PMs Josias Andrade Silva Júnior, Rafael de Alencar Sampaio, Brunno Matteus Berto Lacerda, Carlos Alberto de Amorim Júnior, Ítalo José de Lucena Souza e Lucas de Almeida Freire Albuquerque foram ouvidos na fase de audiência de instrução e julgamento. Eles estão presos no Centro de Reeducação da Polícia Militar (Creed), em Abreu e Lima, desde abril do ano passado.
Em depoimento, Josias afirmou que a dupla que morreu atirou primeiro durante a abordagem.
"Quando eles saíram da cozinha em direção à saída da casa, bateram de frente comigo e o soldado (Ítalo José de) Lucena, já visualizaram a gente, já atirando, os dois; (...) Eles (dispararam primeiro), eu até tentei verbalizar, só que isso em fração de milésimo de segundos", afirmou.
Também declarou que os militares tentaram salvar a vida da dupla.
"Nós, da Polícia Militar inteira, não temos disponíveis os materiais para fazer socorro, por exemplo, uma maca. nós não temos esse tipo de maca. Os policiais tiveram o cuidado de tentar fazer uma maca com lençóis e colocá-los na viatura", disse.
O PM Carlos Alberto, apontado como o responsável por arrombar a casa, declarou que nenhuma das vítimas estava ajoelhada. E que a dupla estava armada e não se entregou.
DELEGADOS REFORÇAM TESE DE LEGÍTIMA DEFESA
Os delegados que assinaram a conclusão do inquérito policial decidiram não indiciar os militares, sob o argumento de que houve legítima defesa na ação.
Questionado na audiência de instrução e julgamento pelo MPPE, o delegado Roberto Lobo, à frente do caso desde o início, declarou que leu os depoimentos de parentes das vítimas afirmando que elas estavam ajoelhadas, ou seja, rendidas antes de serem mortas.
"A gente tentou fazer uma quesitação para o médico legista para ver se tinha como comprovar se ele (vítima) estava ajoelhado, a distância do disparo, e também se tinha alguma marca de tortura. Mas não foi possível, não teve nenhuma conclusão quanto a isso no laudo do médico legista", disse o delegado.
Segundo Lobo, o laudo pericial apontou que houve disparos de arma de fogo em direções opostas e de calibres diferentes. Diante desse fato, ele questionou ao perito se isso indicava características de confronto na residência, o que foi confirmado.
Ao ser questionado pelo MPPE, em juízo, o delegado pontuou que não há comprovação efetiva que de houve o confronto, mas um indicativo.
O delegado Elielton Xavier afirmou, em depoimento, que "as provas técnicas produzidas eram irrefutáveis para a conclusão pela legítima defesa", afirmando que "o laudo de local confirmou que houve disparos em sentidos opostos e que caracterizaria confronto", descreveu o relatório do MPPE.
PROMOTORES REBATEM TESE DOS POLICIAIS
No documento apresentado à 1ª Vara do Tribunal do Júri da Capital, o grupo de promotores afirmou que a "provas pericial produzida não sustenta, de modo irrefutável, a tese da legítima defesa", visto que o perito não afirma categoricamente que houve o confronto entre a dupla e os policiais.
O MPPE pediu à Justiça para que os policiais sejam levados à júri popular por homicídio qualificado (sem chance de defesa das vítimas). E reforçou que as vítimas "mesmo rendidas e desarmadas foram alvejadas por disparos de arma de fogo".
A Justiça ainda vai decidir se mantém a prisão preventiva dos policiais e se eles irão à júri popular.
Em nota, a advogada Raquel Corrêa de Melo, responsável pela defesa de Josias Júnior e Ítalo José, afirmou que "a atuação policial foi legítima e dentro dos protocolos estabelecidos. Não há fundamento para a manutenção da prisão preventiva diante das provas técnicas apresentadas".
RÉUS TAMBÉM NA VARA DA JUSTIÇA MILITAR
Os policiais do Bope também são réus pelos crimes de descumprimento de missão e violação de domicílio na Vara da Justiça Militar.
Duas audiências de instrução e julgamento, para ouvida de testemunhas, já foram realizadas. Mas ainda não há previsão de sentença.