MARÇO ROXO | Notícia

Epilepsia tem cura? Neurologistas esclarecem dúvidas e desmistificam a doença

Apesar de ser uma doença potencialmente grave e existir atraso no diagnóstico, maioria dos pacientes terá crises controladas com tratamento adequado

Por Cinthya Leite Publicado em 25/03/2025 às 10:58 | Atualizado em 25/03/2025 às 11:03

Doença neurológica que se caracteriza por uma predisposição do cérebro a gerar crises ao longo da vida, a epilepsia atinge de 1% a 2% da população mundial, de todas as idades. Nesta quarta-feira (26), Dia Mundial da Conscientização sobre a Epilepsia, especialistas e grupos de pacientes se unem para desmistificar o tema, promover ações educativas e criar espaços de debate público. 

O JC transmite, nesta quarta-feira (26), às 20h, videocast sobre o assunto. Participarão do episódio #35 do Saúde e Bem-Estarneurologista Moema Peisino, do Hospital Pelópidas Silveira (HPS), e o neurologista infantil Lucas Alves, do Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira (Imip). É possível assistir ao episódio pelo JC Play - canal do Sistema Jornal do Commercio de Comunicação (SJCC) no YouTube. 

Durante o debate, os médicos chamam a atenção para o fato de que a epilepsia, ainda hoje, é uma doença alvo de estigma e muito preconceito. Existem muitos conceitos falsos sobre o tema que amplificam a baixa autoestima e a sensação de insegurança entre pacientes e as famílias. 

Por isso, é muito importante existir um dia de conscientização sobre a epilepsia, como 26 de março. "O Purple Day (Dia Roxo) foi criado em 2008, no Canadá, pela paciente Cassidy Megan (aos 9 anos na época), motivada por suas próprias lutas contra a epilepsia", sublinha a Moema Peisino.

A data tem como objetivo promover a conscientização sobre a epilepsia. Assim, desde 2008, em todo dia 26 de março, as pessoas são incentivadas a vestir roupas roxas para destacar a importância dessa causa. O movimento ganhou força ao redor do mundo e, no Brasil, até existem leis que instituíram o Março Roxo – Mês Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa com Epilepsia

ADSON SOUZA/JC
A neurologista Moema Peisino, do Hospital Pelópidas Silveira (HPS), e o neurologista infantil Lucas Alves, do Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira (Imip) participam de videocast sobre epilepsia - ADSON SOUZA/JC

A neurologista do HPS reforça ainda que a epilepsia "não é transmissível e a maioria das pessoas, com o tratamento correto, terão uma vida normal, trabalhando, sendo felizes". Ainda há uma carga de preconceito por causa das crises, o que pode causar uma fragilidade naqueles que vivem com a doença. "A gente tem que acolher essas pessoas, respeitar e entender. Quanto mais a gente conhece, menos preconceito a gente tem." 

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), mais de 50 milhões de pessoas no mundo têm epilepsia ativa - ou seja, estão em tratamento ou tiveram crises no último ano. Apesar de ser uma doença potencialmente grave e ainda haver um atraso no diagnóstico, a maioria das pessoas com essa condição terá crises controladas se tiver acesso ao tratamento adequado.

Particularidades da epilepsia

A neurologista Juliana Passos de Almeida, membro do Departamento Científico de Epilepsia da Academia Brasileira de Neurologia (ABN) e da diretoria da Liga Brasileira de Epilepsia (LBE), explica que os pacientes com epilepsia são muito diferentes entre si, pois existem diferentes causas para epilepsia e diferentes crises epiléticas.

"A crise epilética acontece quando, por algum motivo, grupos de neurônios do cérebro geram uma atividade elétrica anormal. Essa atividade elétrica anormal perturba a função daquela região momentaneamente", diz Juliana. 

Por isso, há diferentes manifestações de crises. Dependendo da região que é acometida, há diferentes sinais e sintomas. "A crise epilética mais conhecida é a crise tônico clônica, também conhecida popularmente como convulsão, em que o paciente cai, perde a consciência e apresenta abalos no corpo."

Mas existem outros tipos de crises menos conhecidas, como aquelas em que a pessoa se desconecta momentaneamente do ambiente e mantém os olhos fixos. "Ou crises em que a pessoa tem movimento ou abalo em apenas uma parte do corpo, no braço ou na perna, entre outros", destaca a neurologista.

Diagnóstico e tratamento da epilepsia 

O diagnóstico de epilepsia depende muito da história clínica. Durante um atendimento, o médico precisa entender como são as crises, quanto tempo duram e como se manifestam.  

A neurologista Moema Peisino frisa que o diagnóstico se confirma quando há a ocorrência de mais de duas crises epilépticas em um intervalo de 24 horas, quando se encontra uma causa de recorrência de crises ou quando há uma síndrome epiléptica bem definida.

"A gente pode ter epilepsia, e todos os exames realizados serem normais, seja de imagem, seja encefalograma. Por isso, a importância de uma consulta minuciosa com um especialista para que o diagnóstico seja fechado", diz Moema.

A maioria dos pacientes vai permanecer muito bem com o primeiro ou segundo tratamento tentado. Em torno de 70% das pessoas com diagnóstico de epilepsia conseguem controlar os sintomas da doença com medicamentos, o que evita as crises.

"Ou seja, a resposta ao tratamento farmacológico é bem elevada. Nos outros 30%, temos que avaliar outras estratégias, como procedimento cirúrgico, implantação de dispositivos neuromoduladores e até mesmo dietas específicas para controlar os sintomas", acrescenta a neurologista.  

Cuidados no uso do canabidiol para tratar epilepsia

Em relação às opções terapêuticas para tratar a epilepsia, o neurologista infantil Lucas Alves comenta sobre o uso do canabidiol. Ele explica que evidências científicas mostram que existem resultados com essa medicação, mas não é para todos.

"O canabidiol geralmente é indicado para os pacientes que não têm controle da doença com uso dos medicamentos primeiramente prescritos. É importante destacar que a eficácia do canabidiol está associada a essas crises de difícil controle, especialmente em síndromes epilépticas raras", acrescenta Lucas. 

O canabidiol, também conhecido por CBD, é um dos constituintes químicos da planta denominada Cannabis. Há potencial terapêutico na epilepsia porque atua em receptores, em um sistema de sinalização e regulação chamado sistema endocanabinoide. 

"Vale esclarecer que, para ser usado nos pacientes, o canabidiol precisa ser aquele vendido em farmácia. É uma medicação como qualquer outra, desenvolvida por laboratórios. Deve ser prescrita por médico e seguir os mesmos cuidados de outros tratamentos. Ou seja, não é qualquer mistura que deve ser utilizada", orienta Lucas Alves. 

Crise epiléptica é principal sintoma 

As crises epilépticas têm múltiplas apresentações, porque dependem da área do cérebro acometida transitoriamente.

Por exemplo, se a região acometida pela atividade elétrica anormal for a região da visão, o paciente pode ter uma experiência visual, um sintoma visual, que dura alguns segundos ou minutos.

Se a área acometida for a região que comanda o movimento do corpo, ele pode, então, ter um abalo, uma contratura anormal daquele membro.

Se a crise epiléptica é mais espalhada nos dois lados do cérebro, o paciente pode, de fato, perder a consciência e apresentar abalos dos dois lados do corpo. Esse é o tipo de crise conhecida como convulsão.

O que fazer se vir alguém em uma crise epilética?

O primeiro ponto é manter a calma. A crise epiléptica dura, na maioria das vezes, de segundos a dois minutos e vai cessar espontaneamente, em grande parte dos casos.

O que se precisa entender é que esse paciente não oferece risco para as outras pessoas - ao contrário, ele precisa ser protegido.

O primeiro ponto é virar o paciente de lado para que ele não aspire as secreções da cavidade oral, o que aumenta o risco de aspiração. Além disso, deve-se afastar objetos perigosos que podem machucá-lo e proteger a cabeça com algum objeto macio.

Quando a crise cessa, o paciente pode ficar um pouco confuso ou sonolento. É importante manter o ambiente calmo, evitar estímulos que sejam entendidos como ameaças para aquele paciente e que provoquem sofrimento nessa fase pós crise.

É importante ficar ao lado do paciente e protegê-lo até a plena recuperação da consciência.

É fundamental ainda contar o tempo da crise. Se uma crise dura mais de cinco minutos, ela está fora do parâmetro de tempo esperado para uma crise comum. Isso configura uma emergência médica. Nessa situação, deve-se chamar o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência e Emergência (Samu), ligando para 192.

Protocolo C.A.L.M.A 

O C.A.L.M.A, um protocolo elaborado pela Associação Brasileira de Epilepsia (ABE), é uma ajuda em casos de urgência, já que consiste em cinco passos fundamentais para apoio em primeiros socorros na crise convulsiva. São eles:

1 – COLOQUE a pessoa de lado, com a cabeça elevada para que não se sufoque com a saliva;

2 – APOIE a cabeça da pessoa para proteção em algo macio (ex: mochilas, blusas, jalecos);

3 – LOCALIZE objetos que possam machucar a pessoa e afaste-os (ex: óculos, correntes, móveis e roupas apertadas);

4 – MONITORE o tempo. Caso a crise dure mais que 5 minutos ou acontecer outra logo após a primeira, ligue para o SAMU (192);

5 – ACOMPANHE a pessoa até ela acordar. Em caso de ferimentos ou caso seja a primeira crise, ligue para o SAMU (192).

Epilepsia pode acometer pessoas de todas as idades 

O paciente pode apresentar a primeira crise de epilepsia logo no primeiro ano de vida, na infância, na adolescência. A epilepsia pode se iniciar na idade adulta ou até mesmo no idoso.

Existem duas idades em que isso acontece mais frequentemente: na criança, sobretudo no primeiro ano de vida, e no idoso, principalmente a partir dos 65 anos. Essas duas faixas de idade são consideradas faixas de risco para epilepsia.

No primeiro ano de vida, a doença pode aparece por causa de complicações associadas ao parto, ao nascimento e, também, doenças genéticas e metabólicas.

No idoso, a epilepsia pode estar associada a complicações ao longo da vida, como acidente vascular cerebral, tumores cerebrais ou doenças degenerativas. 

Qualquer convulsão é uma crise epiléptica? Como diferenciar? 

Nem toda convulsão é uma crise epiléptica. O termo convulsão é usado para descrever a queda com movimentos dos dois lados do corpo, mas é possível ver esse tipo de manifestação em outras condições que não são epilepsia.

O que vai ajudar o médico a diferenciar uma coisa da outra é justamente entender os detalhes desses eventos.

Alguns quadros cardíacos, queda na pressão arterial e, também, quadros psiquiátricos podem ser muito parecidos com as crises epilépticas.   

A epilepsia é uma doença neurológica genética?

A epilepsia não necessariamente é uma doença genética. Na verdade, muitas doenças causam epilepsia, doenças completamente diferentes entre si.

Há, então, desde causas genéticas até lesões na estrutura do cérebro causadas por intercorrências na hora do nascimento, acidente vascular cerebral, traumatismo craniano a situações em que a não é possível identificar a causa.

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