Alta incidência de tuberculose entre população em situação de rua no Recife preocupa autoridades de saúde
Especialistas alertam para a vulnerabilidade da população em situação de rua à tuberculose e destacam a necessidade de estratégias para tratamento

No Dia Mundial de Combate à Tuberculose (24/3), os dados epidemiológicos chamam atenção para a alta incidência da doença entre a população em situação de rua no Recife.
De acordo com levantamento da Vigilância Epidemiológica da Secretaria de Saúde da cidade, foram notificadas 196 ocorrências de tuberculose nesse grupo entre 2020 e 2024 no Distrito Sanitário I, que abrange os bairros do Recife, Santo Amaro, Boa Vista, Cabanga, Ilha do Leite, Paissandu, Santo Antônio, São José, Coelhos, Soledade e Ilha Joana Bezerra.
Os dados indicam que 39,28% desses casos foram de reingressos após interrupção do tratamento. Além disso, o percentual de cura é de apenas 19,4%, enquanto a taxa de interrupção chega a 37,2%, evidenciando um dos principais desafios enfrentados pelas autoridades de saúde.
"A tuberculose é uma doença de transmissão aérea, mas o risco de infecção está mais associado ao contato prolongado em locais fechados. Pessoas em situação de rua têm condições de vida precárias, o que aumenta a vulnerabilidade ao adoecimento", explica Leila Novaes, professora dos cursos de Medicina e Psicologia da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap) e coordenadora do projeto de extensão ReconstRUA.
Interrupção do tratamento
O tratamento da tuberculose é longo, com duração de pelo menos seis meses, o que representa um obstáculo para a população de rua.
"A pessoa inicia a medicação, sente melhora nos sintomas e acredita que está curada, mas o tratamento deve ser feito até o fim. Além das crenças, das dificuldades de acessar alguns serviços, observamos também que as pessoas em situação de rua têm dificuldade para guardar a medicação, às vezes são roubadas, então ficam sem a medicação", acrescenta Leila.
A mobilidade da população em situação de rua também dificulta o acompanhamento. "O sistema de saúde é territorializado, mas essas pessoas mudam de local frequentemente, algumas vezes até de município. Se passam 30 dias sem tomar a medicação, precisam reiniciar todo o tratamento", explica a sanitarista.
Iniciativas e estratégias para reverter o cenário
Para reduzir o abandono do tratamento, o Recife conta com os Consultórios na Rua, que oferecem acompanhamento mais próximo a essa população. Outra estratégia é o Tratamento Diretamente Observado (TDO), no qual profissionais de saúde garantem que o paciente tome os medicamentos corretamente.
Segundo Leila, o combate à tuberculose nessa população depende de uma articulação entre saúde, assistência social e organizações da sociedade civil. "No centro do Recife, onde há grande concentração de pessoas em situação de rua, é fundamental integrar os serviços de saúde com iniciativas como o ReconstRUA e entidades como os Unificados e os Samaritanos", afirma.
O Unificados é uma entidade que une projetos sociais que atuam em prol da população em situação de rua, da qual o ReconstRUA faz parte, e Samaritanos é uma Organização Não Governamental (ONG) que atende a população em situação de rua do Recife.
Tuberculose no Brasil
Dados do Ministério da Saúde apontam que, em 2023, foram registrados mais de 84 mil casos novos de tuberculose no Brasil, com um coeficiente de incidência de 39,7 casos por 100 mil habitantes.
O país é o único das Américas a figurar nas duas listas de prioridade da Organização Mundial da Saúde (OMS): uma para tuberculose em geral e outra para tuberculose associada ao HIV.
O Ministério da Saúde também destaca que pessoas em situação de rua têm 54 vezes mais chance de desenvolver tuberculose em relação à população geral.
"É fundamental combater o estigma e garantir que essas pessoas tenham acesso ao diagnóstico e ao tratamento adequado", reforça Leila Novaes.
Importância do diagnóstico precoce
Um dos desafios apontados pela especialista é a necessidade de ampliar o acesso ao diagnóstico.
“As pessoas doentes, às vezes, vão para UPA que, no Recife, não fecha o diagnóstico de tuberculose. Os exames que fazem diagnóstico de tuberculose estão na atenção primária, em alguns serviços de referência para tuberculose ou quando a pessoa já está numa situação mais crítica, internada nos hospitais, e faz esse exame. Por isso que temos muitos casos de tuberculose no Recife que são notificados no sistema como caso pós-óbito”.
A especialista reforça a importância de campanhas educativas e do envolvimento da sociedade. "Tosse persistente é um dos principais sintomas. Em populações de risco, qualquer tipo de tosse deve ser investigado. Precisamos quebrar barreiras de acesso ao tratamento e combater o estigma para que essas pessoas tenham suas vidas preservadas", conclui.