Os resultados da redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) 2024, divulgados nesta segunda-feira (13), têm gerado diversos questionamentos por parte de candidatos e professores. O principal ponto de debate é o número reduzido de textos que alcançaram a pontuação máxima: apenas 12 redações obtiveram a nota mil em todo o país, representando o menor quantitativo nos últimos dez anos. Em 2023, foram 60 redações com a maior pontuação no exame. Pernambuco está entre os dez estados com redações nota máxima, tendo um participante da rede privada de Belo Jardim, no Agreste, com nota mil. Camila Aguiar também é aluna do curso de redação Fernanda Pessoa.
No Nordeste, além dele, destacam-se o Ceará (1), Maranhão (1), Alagoas (1) e Rio Grande do Norte (1). Na região Sudeste, figuram São Paulo (1), Rio de Janeiro (2) e Minas Gerais (2). No Centro-Oeste, estão Goiás (1) e o Distrito Federal (1).
Com o tema “Desafios para a valorização da herança africana no Brasil”, a redação integrou o primeiro bloco de provas do Enem 2024, realizado no dia 3 de novembro de 2023.
Nas redes sociais, não faltaram críticas às correções, não apenas da Redação, mas também das demais áreas do conhecimento. Muitos candidatos relataram dificuldades para compreender os resultados obtidos e chegaram a questionar a metodologia TRI (Teoria de Resposta ao Item) utilizada na avaliação.
"Tenham respeito com os alunos. Diversos alunos que têm histórico de notas acima de 900 na redação nas provas anteriores, tiveram suas notas bem abaixo disso. Revisão da redação deveria ser um direito", publicou uma usuária em uma publicação no Instagram do Inep.
Rede pública
Ainda de acordo com dados divulgados pelo Ministério da Educação (MEC) e pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), apenas uma das redações nota mil foi escrita por um estudante da rede pública de ensino, localizado em Minas Gerais. As demais foram elaboradas por candidatos da rede particular.
Em Pernambuco, 114 redações receberam notas entre 980 e 1.000, sendo 21 delas de estudantes da rede pública. Já entre as notas 950 e 980, houve um total de 1.928 redações, das quais 352 foram escritas por alunos da rede pública de ensino.
Professores avaliam os cenários
Para Raphael Alves, professor de Língua Portuguesa da Escola de Referência em Ensino Médio (EREM) Olinto Victor, há aspectos importantes a serem considerados na discussão sobre o desempenho dos candidatos na redação do Enem.
Um dos pontos levantados pelo professor é o processo de correção dos textos, que passou por uma mudança significativa há dois anos. Antes, a correção era realizada pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), mas agora está a cargo do Cebraspe.
"Já no ano anterior, percebemos uma mudança. Não nos parâmetros, porque a banca informou que os critérios seriam mantidos, mas os resultados indicaram que alguns 'vícios' estavam sendo revistos. Quando uma mesma banca realiza a correção por muito tempo, é natural que certos vícios se consolidem, tornando o processo mais mecânico", explicou Alves em entrevista à coluna Enem e Educação.
Em novembro do ano passado, o G1 publicou que corretores do Enem relataram ter recebido orientações do Inep para descontar pontos de redações que utilizassem repertórios socioculturais considerados "forçados" ou sem conexão com o contexto proposto, bem como de textos baseados em modelos memorizados ou pré-fabricados, resultando em dissertações desconexas.
Em resposta ao portal, o Inep afirmou apenas que "todos os fatos, informações e citações apresentados no texto devem, necessariamente, estar vinculados à discussão proposta no projeto de texto".
Para alguns professores, os resultados do Enem 2024 apontam uma tendência de combate aos modelos de redação considerados "engessados". "Acho que essa é uma questão em evolução e que levará tempo até entendermos o olhar da nova banca", concluiu Alves.
Outra questão levantada pelo professor da EREM Olinto Victor, diz respeito aos investimentos na rede pública de ensino em relação ao currículo dos estudantes. Segundo ele, o problema não está na falta de mérito ou competência das escolas públicas, mas sim nas dinâmicas que não priorizam a prática da produção textual.
"Na rede privada, por exemplo, a produção textual começa a ser trabalhada desde o ensino fundamental", destacou o professor.
Ele também destacou as dificuldades enfrentadas no ensino médio, onde os alunos lidam com um currículo mais "estrangulado". "A prática da escrita exige tempo. Qual professor tem condições de corrigir 150 redações, de três ou quatro turmas?", questionou Alves, ressaltando os desafios estruturais que dificultam o desenvolvimento da escrita na rede pública.
Com a implementação da reformulação do Novo Ensino Médio, a partir deste ano, Pernambuco passará a contar com uma disciplina específica de produção textual, separada de Língua Portuguesa. No entanto, Alves ponderou: "Eu não vou ter uma banca de correção, como ocorre nos cursinhos, então ainda precisamos cobrar dos agentes públicos para que invistam nesse tipo de trabalho."
Proficiência média aumentou
Os dados também apontam um aumento na média de proficiência na área de Linguagens, que subiu de 516 pontos em 2023 para 528 pontos em 2024. Na Redação, a média passou de 645 para 660 pontos.
Para Flavia Suassuna, professora de Literatura do Colégio Saber Viver, a originalidade na construção das relações com os repertórios tem se tornado um diferencial nos textos avaliados. Ela destacou a diferença entre ensinar a escrita como uma habilidade ampla e preparar os alunos especificamente para a redação do Enem.
"O aluno vai precisar dessa habilidade construída além do exame. Por exemplo, a redação escrita para o Enem não é a mesma que vale para o SSA", explicou.
Flavia também ressaltou a relevância da literatura no preparo da escrita. "Perdemos quase sete milhões de leitores nos últimos cinco anos. Pela primeira vez, na série histórica, temos mais não leitores do que leitores", destacou, apontando que este fator deve ser considerado na análise do desempenho dos estudantes.